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GESTÃO PRÁTICA DE ESCRITÓRIOS DE ADVOCACIA


JOÃO MARCOS ADEDE Y CASTRO

APRESENTAÇÃO

Não sou um especialista, de forma que as dicas a seguir são resultado da experiência prática, de erros e acertos cometidos ao longo do tempo.

Advoguei por dois anos, fui Promotor de Justiça por trinta anos e estou advogando, de novo, há oito anos, o que me garantiu experiência suficiente para arriscar alguns conselhos.

Por evidente que outras dicas podem ser acrescentadas e algumas modificadas e até excluídas.

Mas, com todos os méritos e riscos, vamos lá.

CAPÍTULO I

PREPARE-SE PARA ADMINISTRAR

SEU ESCRITÓRIO AINDA NA FACULDADE

Não conheço nenhuma faculdade de Direito que se preocupe com o assunto. A literatura a respeito de administração de escritórios de advocacia é quase zero. Talvez os advogados achem que, como “sabem tudo” de Direito também sabem tudo de administração e aí resida a causa de tanto escritório fechado ou andando muito mal. Mas, você que deseja sinceramente ser em empreendedor na área jurídica, deve estar à frente dos demais e pensar nisso, com seriedade.

CAPÍTULO II

ORGANIZE SEU ESCRITÓRIO

COMO UMA EMPRESA

Ou você organiza seu escritório como uma empresa ou estará fadado a ser sempre um nada. Daí, comece com cursos de qualificação, palestras e encontros com técnicos do Sebrae e outros órgãos sérios que estejam tecnicamente preparados para passar informações valiosíssimas acerca de que, ao prestar um serviço com natureza econômica, você é uma empresa, e como tal deve gerir o seu negócio. Veja que não estou defendendo a mercantilização da advocacia, mas a gestão empresarial do escritório. Afinal, vivemos em uma sociedade capitalista e não podemos nos dar ao luxo de ser ingênuos.

CAPÍTULO III

ADMINISTRE PROFISSIONALMENTE

SEU ESCRITÓRIO

Entregue as tarefas típicas de administração, tais como procurações, contratos, emissão de boletos ou recebimento de valores através de cartão de crédito, emissão de notas fiscais e recibos, relações com bancos, cobranças de clientes, pagamentos de despesas, controle de agenda, notas de expediente, etc., a uma pessoa experiente na área, de confiança e que preste contas permanentemente aos sócios. O ideal é contar com um administrador profissional ou, na pior das hipóteses, com um advogado sócio que possua experiência séria e responsável de administração de bens, serviços, valores e pessoas.

CAPÍTULO IV

MANTENHA CONTA-CORRENTE SEPARADA

Abra uma conta bancária corrente para as despesas diárias e recebimentos diversos, separada da conta bancária particular dos sócios, com controle rígido de retiradas, proibindo-se qualquer movimento para atendimento de interesses particulares dos sócios. Mantenha no escritório apenas o essencial para pequenas despesas diárias e não aceite como natural retiradas sem controle e sem devolução.

CAPÍTULO V

MANTENHA UM FUNDO DE RESERVA

Mantenha uma conta bancária (pode ser poupança) que pode ser chamada “fundo de reserva” para investimentos e despesas extraordinárias, vigiada para crescer mais nos meses ruins e servir de apoio financeiro. Não precisa ser uma fortuna, mas dá à empresa tranquilidade para os maus momentos, que eles existem, assim como em qualquer outra atividade econômica. Sugiro não menos de cinco por cento do resultado líquido nos meses bons e dez por cento nos meses ruins.

CAPÍTULO VI

CONTROLE ELETRONICAMENTE CLIENTES E PROCESSOS

O controle dos clientes, processos, intimações, prazos, pagamentos e recebimentos não deve ser feito apenas manualmente, ou seja, aquele sistema ultrapassado em que cada cliente tem uma pasta física e ali guardadas as petições e anotados os pagamentos. Assine um sistema digital de gestão de clientes, pagamentos e processos, que centralize para todos os sócios as informações necessárias ao bom andamento dos processos, além de gestão financeira e fluxo de caixa. Esse sistema deve estar disponível a todos os sócios em computadores, tablet’s ou celulares, para rápida consulta, em qualquer lugar.

CAPÍTULO VII

DISTRIBUA IGUALITARIAMENTE

OS LUCROS

A distribuição de lucros em percentuais diferentes, conforme maior seja a experiência do sócio parece justa, mas emperra o crescimento do interesse dos mais jovens, que veem no sistema uma eternização da inferioridade de ganhos. Os mais experientes, mesmo recebendo o mesmo percentual, tem mais responsabilidade que os menos experientes. Num movimento que reconhecemos difícil para os mais experientes, ajuste os percentuais em índices iguais para todos, e você verá aumentar a dedicação dos menos experientes e, em consequência, o resultado financeiro para todos. Ou seja, a perda inicial dos mais experientes transforma-se em ganho real para todos, no médio prazo.

CAPÍTULO VIII

FIXE PRO-LABORE PARA OS SÓCIOS

Não cometa o erro de dividir todo o saldo de recursos financeiros entre os sócios ao fim de cada mês. Faça um acordo justo e fixe um valor que seja suficiente para a manutenção dos sócios por mês e o saldo deposite em conta bancária em nome da empresa. Ao final do semestre ou ano, dependendo do acordo entre os sócios, esse valor pode ser utilizado para investimentos na empresa como reformas, compra de equipamentos e até pagamento de contas, ou, sendo possível, dividido entre os sócios. Afinal, o valor depositado em conta da empresa é dos sócios que, de uma forma ou de outra, serão beneficiados com seu próprio trabalho. Pense antes na empresa e somente depois em você mesmo.

CAPÍTULO IX

DISTRIBUA PARTE DOS LUCROS COM OS COLABORADORES

Essa pode parecer uma ideia “socialista”, mas acredito que está muito mais baseada num sistema capitalista de aumento de produtividade em razão do interesse dos colaboradores com a sorte da empresa. Pode ser algo como três por cento do saldo (receita – despesa) dividido entre todos os colaboradores, o que pode significar, por vezes, em pequenos valores, mas passa a mensagem de que quanto mais eles trabalharem melhores serão os resultados e maior será o ganho. E mais, que eles são parte do negócio, mesmo que em percentual pequeno. Ter colaboradores “colaborativos” e interessados nunca fez mal a negócio algum.

CAPÍTULO X

NÃO CONFUNDA A EMPRESA

COM A FAMÍLIA

No caso de todos os sócios serem da família, lute diariamente para separar problemas da empresa dos problemas familiares. Fale o tempo todo que não haverá crescimento pessoal se os sócios descuidarem do crescimento da empresa. Exijam uns dos outros, comprometimento com a qualidade do atendimento aos clientes e com o resultado do trabalho, lembrando sempre que a relação pessoal não é indiferente, mas não pode determinar o comportamento do sócio em relação à empresa. Mesmo que todos sejam sócios, e até mesmo em razão disso, exijam um dos outros que haja cumprimento de horário, respeito mútuo, comunicação eficiente e consciência que o problema de um é o problema de todos.

CAPÍTULO XI

REALIZE REUNIÕES PRODUTIVAS

E AGRADÁVEIS

Realize reuniões quinzenais ou mensais, em que se discuta ideias de crescimento, melhorias nas instalações, “brigas” em benefício da empresa, cobrança de resultados, exame de processos em andamento e busca de eventuais equívocos na condução dos mesmos. Não transforme as reuniões em um tribunal de acusações mútuas, mas em um espaço respeitoso de identificação de problemas e busca honesta de soluções. Se você quer concorrentes em vez de sócios, saia da sociedade e abra outro escritório. Parece mentira, mas mesmo reuniões de trabalho podem ser motivo de prazer pessoal, basta todos realizarem esforços sinceros para isso.

CAPÍTULO XII

ENCARE O ESCRITÓRIO COMO UM NEGÓCIO

Mesmo que a ideia seja defender direitos dos clientes e fazer Justiça, o mote da empresa é obter lucros lícitos, de forma que você deve pensar o tempo todo na relação custo benefício de um processo antes de envolver-se nele. Não há impedimento que você assuma serviços gratuitos, mas isso deve ser muito limitado. Afinal, a empresa não é uma instituição de caridade. Não tenha vergonha de ganhar dinheiro licitamente. São inúmeras e elevadas as despesas para montar e manter um escritório, e você não pode se dar ao luxo de desprezar valores monetários.

CAPÍTULO XIV

APROVEITE AS RELAÇÕES DE FAMÍLIA

EM BENEFÍCIO DA EMPRESA

Um negócio de família pode ser vítima exatamente do fato de ser família, mas esse pode ser um diferencial positivo. As desavenças devem ser resultado de interesse honesto e sincero de crescimento de todos, de forma que não há impedimento de discussões profissionais num momento seguidos de pedidos honestos de desculpas pelos excessos, que podem ser temperados com beijos e abraços, exatamente porque vocês se amam e se respeitam. O interesse de um deve ser o interesse de outro.

CAPÍTULO XV

DIVIDA TAREFAS E CONTROLE

SUA EXECUÇÃO

A divisão exata e controlada das tarefas entre os advogados do escritório é uma necessidade absoluta, pois onde todo mundo cuida, ninguém cuida. Quem assume determinada tarefa deve estar disposto a ser cobrado e prestar contas. Dê a cada um a tarefa para a qual ele está preparado e sinta prazer em executá-la. Eventualmente, fazemos o que não gostamos, mas isso não pode ser uma realidade permanente. Respeitar a autonomia e a responsabilidade do outro não implica em não controlar.

CAPÍTULO XVI

TRATE OS AUXILIARES COM RESPEITO

Trate os auxiliares de maneira respeitosa, integrando-o nas decisões jurídicas, convidando-os a participar de encontros com o cliente e audiências judiciais, para que se sinta parte da empresa. Pense que o crescimento da empresa também depende deles, mesmo que sejam temporários. O bom auxiliar de hoje, como os estagiários, pode ser o sócio de amanhã. Mesmo depois de formados e trabalhando em seus escritórios ou em funções públicas, seus estagiários podem ser seus amigos ou, pelo menos, não serem seus inimigos. Criar e manter relações respeitosas é muito bom.

CAPÍTULO XVII

NÃO PERCA PRAZOS PROCESSUAIS

O processo é uma sequência de passos, todos orientados por prazos legais que não podem ser perdidos, sob hipótese alguma. O processo é, ainda, um conjunto de possibilidades, nunca uma certeza, de forma que é aceitável, mesmo que não desejável, a perda da causa. Perder prazo para manifestação ou recurso é puro relaxamento, desorganização ou desinteresse, e isso é inaceitável. Sempre que o cliente não desejar recorrer, providencie alguma forma escrita de manifestação nesse, que pode ser até mesmo uma mensagem eletrônica. Isso evita que você seja acusado injustamente de ter perdido o prazo.

CAPÍTULO XVIII

NÃO ACEITE CAUSAS ACIMA DE

SUA CAPACIDADE DE TRABALHO

Por maior que seja a vontade de aumentar a carteira de clientes, o faturamento e os lucros, pense bem antes de aceitar um volume de trabalho que esteja manifestamente acima da capacidade de atendimento de sua equipe. Mantenha um nível de volume de trabalho sustentável, ou seja, que seja factível, possível de ser realizado. Lembre-se que quem muito quer, nada tem. Um dia seus clientes vão se dar conta que você não terá condições de entregar a mercadoria que vendeu.

CAPÍTULO XIX

NÃO ACEITE CAUSAS ACERCA DE

ASSUNTOS QUE VOCÊ NÃO DOMINE

A não ser que você contrate profissional sério que possa atender um processo que trate de assunto que você mesmo não domine, não aceite a causa. Se aceitar, mantenha controle rígido sobre a atuação desse advogado a quem você delegou a atividade, porque o cliente contratou você e é de você que ele vai exigir os resultados. De preferência, seja honesto e diga ao cliente que rejeita a causa por não dominar pessoalmente o assunto. Na pior das hipóteses e só quando houver absoluta confiança, indique um colega de outro escritório.

CAPÍTULO XX

NÃO PROMETA RESULTADOS

Prometer resultados ao cliente não está entre as formas honestas de advogar. É preferível perder um cliente do que conquistá-lo com promessas que talvez não tenhamos condições de cumprir no futuro. Prometa trabalhar duro na busca de um resultado, lembrando que o campo em que se ganha é o mesmo em que se perde. O contrato de honorários é um contrato de meios, não de resultados. Lembre-se que “podemos enganar muitas pessoas durante muito tempo, algumas pessoas durante algum tempo, mas não podemos enganar todo mundo durante todo o tempo”.

CAPÍTULO XXI

FAÇA CONTRATOS DE HONORÁRIOS

SEMPRE POR ESCRITO

Não importa a relação de amizade que você tenha com seu cliente, faça sempre contrato de honorários por escrito. Ao longo do processo podem surgir pontos de atritos entre seu cliente e você e isso importar, inclusive, em quebra da relação de prestação de serviços. Contrato escrito é direito do cliente e garantia para você e para ele, além de ser um título executivo para discussão em juízo. Isso evita longas e desgastantes discussões judiciais e, melhor, evita que o juiz conceda a você honorários irrisórios, o que é muito comum.

CAPÍTULO XXII

FIXE HONORÁRIOS REALISTAS

Lembre-se que um processo é, quase sempre, um evento de longa duração, de forma que os honorários devem ser justos para ambas as partes. A possibilidade de perder o cliente para outro profissional não deve assustá-lo, porque sua fama de advogado barato corre muito mais rápido do que a sua fama de bom advogado. Assim, cobre honorários justos e não comece um serviço sem o adiantamento de pelo menos cinquenta por cento do valor.

CAPÍTULO XXIII

NÃO PARE DE ESTUDAR

Uma empresa não é apenas uma ideia, um desejo, uma vontade, mas muito trabalho, dedicação e organização. A modernização dos métodos de trabalho, de forma a se obter o melhor resultado com o menor custo financeiro e de tempo é primordial. Assim, tenha equipamentos modernos e funcionais, gaste mais em ferramentas de trabalho e menos em ostentação de instalações, sem prejuízo delas serem limpas, arejadas e aconchegantes. A ostentação e o luxo de seu escritório podem impressionar o cliente em um primeiro momento, mas a qualidade do trabalho sempre se sobrepõe.

CAPÍTULO XXIV

RECEBA SEUS CLIENTES

COM CARINHO

Não importa quanto o cliente paga, ou até quando não paga, todos devem ser tratados com a mesma atenção e carinho. Dirija-se a ele sempre pelo nome. Levante e saia de trás de sua mesa, aperte sua mão, ofereça-lhe água e café e convide-o, gentilmente, a sentar. Ouça-o sem pressa, ofereça-lhe a opção de solução menos estressante, mais rápida e mais barata. Ele não está, como você, interessado no processo, mas na solução do problema. O processo é uma opção, mas não pode ser a única. Na saída, acompanhe-o pessoalmente até a porta, abra-a e deseje-lhe boa semana.

CAPÍTULO XXV

NÃO RECLAME DO CLIENTE EM PÚBLICO

Lembre-se sempre que assim como existem clientes “chatos” e outros que não pagam seus honorários, também existem advogados desonestos. Mas, como nem todos os clientes são chatos e nem todos os advogados são desonestos, pare de reclamar de clientes nas redes sociais, porque isso gera uma generalização injusta e desagradável. Não trate seus clientes ou prováveis clientes de forma tão depreciativa. Não tem nenhuma graça piadas com clientes. O problema deles é muito mais sério para eles do que para você, e isso exige respeito. Lembre-se que sempre haverá problemas no relacionamento com o cliente e talvez você tenha razão, mas reclamar dele em público é deselegante e pouco inteligente.

CAPÍTULO XXVI

NÃO SONEGUE INFORMAÇÕES

ACERCA DO PROCESSO

Nunca imagine que não adianta informar o cliente porque ele não vai entender. Ele sabe reconhecer seu esforço honesto em explicar quantas vezes for necessário um sistema jurídico confuso como o nosso e ficará agradecido. Mantenha-o permanentemente informado sobre o andamento do processo por telefonemas, e-mails, WhatsApp, Facebook, pessoalmente, por carta. Não esconda os maus resultados, sempre chamando a atenção que perder um processo ou ter negado um pedido faz parte do jogo processual. O que não faz parte do jogo processual é mentir ou omitir os riscos do processo.

CAPITULO XXVII

ASSUMA SEUS ERROS

Todos gostam de comemorar suas vitórias, mas é necessário encarar os erros cometidos e admiti-los ao cliente, como forma de purgar o pecado. Não se considere infalível, use seus erros e falhas como instrumento para consertos e construção de uma carreira honesta. Chorar um pouco, de vez em quando, ajuda a limpar os canais lacrimais e nos engrandece como pessoas, que é o que somos antes de ser profissionais. Não é fácil e muito constrangedor admitir erros, mas errar faz parte da natureza humana. Admitir sinceramente os erros nos prepara para novos desafios, escondê-los é o caminho para o inferno.

CONCLUSÃO

Não sei se você vai ficar rico seguindo esses conselhos, mas tenho certeza que seu escritório e você serão respeitados. Parece pouco, mas nesse mundo de enganadores em que vivemos, é tudo.

Pense que é preferível subir devagar com segurança do que subir como um foguete desgovernado.

Um escritório construído com mentiras e com luxos acima da capacidade de pagamento do seu dono é insustentável a longo prazo.

Por outro lado, se você cair, conservará sua honra e sua dignidade, pois caiu lutando.

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João Marcos Adede y Castro

JOÃO MARCOS ADEDE Y CASTRO é graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria, sendo Mestre em Integração Latino Americana, pela mesma Universidade.

 

É doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Universidade del Museo Social Argentino, e doutorando em Direito Civil pela Universidade de Buenos Aires, ambas de Buenos Aires.  

 

Foi Promotor de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul por quase 30  anos, tendo exercido as atribuições de Promotor de Justiça Especializada de Defesa Comunitária, com atuação preponderante nas áreas de defesa do meio ambiente, interesses sociais e coletivos e improbidade administrativa. É Professor Universitário.

 

 É membro e  foi Presidente da Academia Santa-Mariense de Letras, ocupando a cadeira número 16, cujo patrono é o escritor e jurista  Darcy Azambuja. É advogado em Santa Maria, RS.

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