MEU ZELOSO GUARDADOR
CAPÍTULO IV
Sentindo que podia ganhar alguma coisa, se ajudasse, a mulher tratou de garantir-se. Já passava das dez da noite. Lá fora, o grupo de pessoas dispostas a apoiar ou rejeitar havia diminuído um pouco, o que encheu o coração do juiz de esperança de que o movimento não durasse mais que vinte e quatro horas.
O juiz, de pé olhava para fora, para o nada, quando a mulher disse:
- O que o Senhor me oferece se eu ajudar?
Ele quase não acreditou. Era petulância, mas tinha de manter a calma. Não tinha nenhuma outra ideia.
Respirou fundo, pensou no homem sentado na sala de audiência, de cabeça baixa, com aparência cansada mas, resoluta. Não parecia disposto a desistir de seu movimento com facilidade.
- Minha Senhora, como é mesmo seu nome?
- Júlia.
- Pois bem, dona Júlia. Não se trata de um negócio, mas da sua responsabilidade em colaborar com a justiça. Precisamos que a Senhora fale com seu marido e...
- Ex-marido, ex-marido!!
Como pode, nem está separada judicialmente?! Resolveu não entrar nesta discussão. Precisava dela.
- Está bem, ex-marido. Mas, prosseguindo, a senhora é a única pessoa que pode falar com seu ex-marido e convencê-lo a ir embora. O advogado dele já disse que vai recorrer, em poucos dias pode-se ter uma modificação da sentença.
Julia segurou o riso, mas não conseguiu ficar quieta.
- O que eu ganho se a sentença for modificada? Porque eu seria tão estúpida a ponto de ajudar ao Senhor se não tenho uma garantia sua de que a sentença que me deu a guarda de minha filha será mantida?
Como negociar a independência do juízo?
Outro suspiro do juiz. De novo explicou que só podia garantir que a justiça seria feita.
- Qual justiça, doutor, a que me beneficia ou a que dá a guarda de minha filha ao desgraçado do meu ex-marido? Desculpe mas, a única preocupação sua é proteger meu ex-marido.
- Proteger seu ex-marido? Mas eu dei uma sentença contra ele!!
Ela sorriu de novo, agora de forma menos contida e disse, com todas as letras:
- Homem protege homem.
O magistrado ficou lívido.
- A senhora está duvidando de minha honestidade profissional? Sabe que posso prendê-la por desacato à autoridade?
A mulher estendeu os dois braços paralelos em direção ao juiz e falou, desafiadoramente:
- Por que não prende?
O juiz avançou contra a mulher, como se fosse agredi-la fisicamente. Foi salvo do vexame, como sempre, pelo escrivão, que ouvira a discussão e entrara na sala sem pedir licença, o que não costumava fazer. Intrometeu-se entre os dois e pegou a mulher pelo braço, levando-a para outra sala.
O juiz, bufando, sentou-se atrás da mesa, onde se sentia protegido.